quarta-feira, 25 de maio de 2011

funeral1

(texto de um amigo)

O mar é preto quando participa dessa luz anti-saturada, excluindo o estridente, reduzindo as relações de contraste pleno morto os barcos, as nuvens, as janelas de vidro com plástico, eu em pés sem me ver, pessoas na frente, duas adolescentes, silhuetas anônimas, monumentos de pedra, vinte pessoas instituindo caladas suas sombras e eu desgarrando os pesos entre lados e vértices, fisiologias, o meu corpo retrucado a si várias vezes, sucessivo, no movimento coreografado até a rua atravessada de carros, motos e bicicletas, través. Sigo reto o meu par morreu. Sinfonia triste, eu desenho, notas mal contornadas, eu desenho, há sete folhas coladas no espelho da sala de ensaio, há um violino colado entre meu pescoço e ombro, há panelas, há paletas, eu estou nu. Toca Korzeniowiski, eu repito: eu quero que exista meu par morreu. O meu par está morto internado em certas pré-salas atrás de paralelepípedos, portas. Quebro o violino agora porque não há raiva que se instale genuinamente em mim apenas ouço choros e resmungos de não sei quem quebro como se me pusesse nas mãos uma guitarra e estralasse os vidros no puro barulho de um rock clássico ou besta. Toca Korzeniowiski. O violino no chão feito eu: cordas firmes, produzindo meus sons informes, projeção acústica, não consigo me conter nesses mínimos delineares de tempos contra-atacados e só penso em estar-me deitado no chão experimentando a madeira suja e esquecer que existem recitais amanhã e sempre, não tenho de compor nem mais um tintilar de liquidificadores ou garfos contra pratos por que se não me é possível criar essa espécie de signo sonido de mim mesmo não há nem mais uma razão para eu defender esse meu existencialismo pleno literário que só se serve para ler e escrever e para ouvir Korzeniowiski com um pouco mais de dignidade salientando ao meu corpo anunciando-se, ritualizando poucas ações formalizadas para repetir até cair no sono e incomodar os guardas da universidade porque aí se vão 2, 3 horas da manhã e eu volto não volto pra casa enquanto não estiver pronta a melodia e depois tenho ainda de ensaiar mais outras horas até que esteja de pé a vida acabada que entrego esfregando a madeira contra as cordas à platéia, meus alunos e seus pais, meus colegas de trabalho, amigos, ex-amantes, sexos, coquetéis. No entanto hoje essa luz invade a sala a essa hora e comunica a mim que nada pode ser mais descondensado e desfiado porque, tudo bem, nã ha nada de novo nessa luz sou eu quem estou amarrado a complexos, sendo chicoteado por seus agurmentos, posto neste fetiche masoquista por mim mesmo até estar a meio segundo dessa instituição sonora: minha tristeza solitudinal: meus pés alvos ou a certeza insolúvel de que meu par está morto numa pré-sala.

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