segunda-feira, 23 de maio de 2011

Donas de casa

Mãos no rosto. Indicador contra polegar -- apenas as maçãs das suas bochechas entre eles. Minha mão no seu rosto, como quem estira um lençol amarrotado. Uma linha debaixo dos olhos, feita com lápis preto. Alguns pontilhados em torno da sua boca. Um. Dois. Três. Ha-ha. Uma linha reta divide sua testa em duas metades simétricas. A agulha penetra o frasco, se alimenta de ânimo. O tempo passa. O epitélio cansado não tem defesa; lástima. As fibras dos seus músculos se contorcem de prazer e de agonia. Você, sem saber, dorme um sono sem sonhos. O polegar encontra a ampola. O ânimo líquido, viscoso, transparente, triste e cheio de bolhas preenche, onde ninguém vê, as lacunas que se tornaram evidentes no seu rosto. O tempo passa, não é mesmo. Outra dose, do outro lado. Da proporção, a simetria. Deve ser isto. Nova ferramenta. Cortes doces na ponta do nariz. Alívio pros olhos. Do disforme ao conforme. Só pode ser isto. Desligo o rádio, guardo o avental, as facas e a touca. Quando você acordar não será mais nada disso. Quando você acordar eu vou jantar com os meus filhos, e você com os seus.

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